sábado, fevereiro 28, 2004

A teoria do abandono?

Santa Maria tem um fascínio pelo abandono. Da coroa portuguesa que a deixou durante séculos entregue a piratas e beatos agoniados, de uma república excitada que ignorou quase tudo, de um salazarismo avarento, de um «mota amaralismo» interesseiro, impotente e mais recentemente de um (pseudo) socialismo pedante, etilizado e muitas vezes ignorante.

De promessa em promessa a ilha foi-se fazendo por ela própria; por vezes com mercenários apaixonados outras com corajosos que optaram pela afectividade em detrimento de uma salvação miraculosa.

Não restam dúvidas: é da sua população que terá de partir qualquer esperança solidificada num fundamento de desenvolvimento. O Messias vindo do exterior, seja na forma do comprador de urzela ou pastel, intermediário de laranjas para a Inglaterra, barco baleeiro com mão de obra barata para a América, comparador de bolas de barro, fazedor de aeroportos, zonas francas, estudos milionários sobre nada e foguetões para Marte terá sempre lugar na criação do adiamento. Adiamento possível, sedutor, mas ainda assim, contributo sagrado para a possibilidade permanente do abandono.

Não que a utopia seja irrelevante para Santa Maria, mas também é preciso aplicar as possibilidades do concreto, aquilo que se chamará o fascínio da simplicidade. Mas é da ilha que terá de partir o renascimento de todas as potencialidades.

Os outros – e nunca faltaram outros em Santa Maria – podem ajudar ou dificultar mas a iniciativa tem de partir da ilha, de uma génese que não se deixe abater pelas aparentes facilidades do nada se fazer. O fascínio do abandono tem de ser
ficção.
António João Correia