sábado, fevereiro 28, 2004

Revelação banal sobre o lixo de Santa Maria

Como já passaram vários anos aqui vai um modesto exemplo de como se fazem as coisas em Santa Maria e nos Açores.

No Carnaval do ano 1999 estive em Santa Maria durante um fim-de-semana prolongado com a minha esposa, filha e vários amigos estrangeiros que não conheciam a melhor ilha do mundo. Como sempre na minha terra, ando desaparecido em busca de locais míticos – diria poéticos – que imagino terem sido feitos, apenas, para satisfazerem o meu ego de mariense envaidecido. Numa dessas «caminhadas» atravessamos o espaço que vai do Barreiro da Faneca para as antigas instalações do Polígono de Acústica Submarina; depois fizemos o velho caminho em direcção ao terminal do aeroporto. Conhecia a área desde sempre (minha avó tinha umas terras na Faneca e lá brinquei em criança) pelo que não estava preparado para o que vi: lixo urbano vergonhosamente a céu aberto, sucatas antigas de várias negligências, milhares de garrafas de vidro vazias, cadáveres de animais e toda a porcaria (muita dela recente) que se possa imaginar.

Como não gosto mesmo nada do senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila do Porto, arranjei logo um culpado e dei a minha sentença; só que arranjar um evidente acusado de desleixo político não me resolvia o problema e deixava tudo na mesma.

Na altura exercia também funções de assessor jurídico do senhor Presidente do Governo e posso dizer que todas as pessoas que falei sobre o assunto (e foram tantas!) deram-me razão e prometeram agir, de imediato. Elaborei ainda nas minhas horas privadas um levantamento de toda a legislação e doutrina relevantes, designadamente nas vertentes comunitárias e da responsabilidade civil e criminal por danos ambientais. Como seria de esperar nada aconteceu. Nada, fosse pela habitual preguiça, fosse para proteger incúrias de outros, fosse para prolongar o estilo que faz sucesso na nossa terra; ou seja, o habitual nestes nossos Açores onde ninguém assume nada, onde as convicções e a defesa dos interesses das populações são para muitos políticos, um aparente bordel.

E, então, passemos a uma banal acção directa: fotografamos tudo e decidimos publicar no Açoriano Oriental, que na altura deu relevo de primeira página pois tinha um Director sério e não corrupto... Recordo que fizeram até vários artigos com as fotografias que eu e vários amigos tiramos...

Não sendo a solução perfeita, acabou por sentar à mesa vários dos alegados responsáveis e, ainda que com manifestas deficiências, fez-se alguma coisa. Isto é, sem a publicação das fotografias sobre a nojeira dos lixos em Santa Maria, estaríamos ainda no território profundo das promessas.
Como disse um amiga minha, «foi o medo que os levou a agir, pois...»
António João Correia