sábado, abril 24, 2004

25 de Abril

Tinha seis anos e no dia 24 de Abril de 1974 viajava de Bóston, Estados Unidos para a ilha Terceira, Açores. Aqui, 25 de Abril, deveria partir logo de manhã para a ilha de Santa Maria onde residia, mas o voo foi cancelado. Ao contrário do Baptista Bastos passei a revolução a dez mil metros de altitude e a ver filmes num velho Boeing 707. Não me lembro de ter chegado a Santa Maria, mas recordo não muito tempo depois a discussão no Café Mascote entre António, Conceição, Mário Fernandes, Raposo Marques e o padre Jacinto (os meus intelectuais favoritos em Vila do Porto).

Em Santa Maria sabia-se quem era do regime (quase todos) e os que sempre resistiram. A democracia foi-se fazendo à escala do desejo de uma ilha perdida. Para mim António e Conceição fizeram o PS (Conceição conhecia Zenha de Coimbra), Liberal fez o PPD, Violante o MES e Sofia apaixonou-se perdidamente por Sá Carneiro. Eu estava com a malta do Otelo por razões afectivas mas foi dedicação nunca correspondida (ainda que Otelo fosse um pouco revisionista...). Meses depois, em Lisboa, comprei o livro vermelho do educador Mao para mandar para um tio na América.

Muitas pessoas começaram, como que uma epidemia, a fazer yoga em Santa Maria. Partiu-se o muro que separava a antiga parte masculina da parte feminina da escola primária de Vila do Porto. A alimentação “macrobiótica” estava na moda. O restaurante do aeroporto continuava a ter um estranho pudim de pão. Uma “água-viva” (alforreca) atacou-me em São Lourenço. Eu ia "à missa" do padre Serafim, que para além de poeta genial, era meu primo.

No 1 de Maio de 1974 fui ao cinema do aeroporto, em Santa Maria. Conceição fez um discurso que Sofia jurou ter sido escrito por António...Que discurso! Até conseguiu elogiar, com justiça, o professor de direito Marcelo Caetano enquanto enaltecia a revolução que tinha lutado contra a decomposição da pátria.
António João Correia